Capacidade judiciária x órgãos públicos

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EDcl no RMS 21.419/BA

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO. REQUISIÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DO EXECUTIVO MUNICIPAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA. TENTATIVA DE PREQUESTIONAR MATÉRIA CONSTITUCIONAL. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS.

1. A Câmara Municipal de Entre Rios opõe embargos de declaração em face de acórdão desta relatoria, assim ementado (fls. 122):

"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DO EXECUTIVO MUNICIPAL. POSSIBILIDADE. RECURSO NÃO-PROVIDO.
1. Cuida-se de recurso em mandado de segurança interposto pela Câmara Municipal de Entre Rios contra acórdão proferido em sede de mandado de segurança assim sumulado (fl. 64): "Mandado de Segurança. Direito Constitucional. Processo Civil. Câmara Municipal. Capacidade Judiciária. Legitimidade para Propositura de mandamus. Requisição de Contas do Executivo Municipal pelo Ministério Público. Legalidade. 1. A Câmara Municipal tem capacidade processual para impetrar writ com escopo de defender suas prerrogativas. 2. O artigo 31, § 3º, da Constituição não pode ser interpretado de forma a vedar a fiscalização do Ministério Público. 3. O ordenamento constitucional assegura ao Parquet plenos poderes para investigar o respeito aos direitos insculpidos na Carta Política. 4. A Administração Pública é regida pelo Princípio da Publicidade, não podendo se furtar ao controle popular. 5. Ordem denegada." A recorrente pugna pela reforma do julgado ao pálio de argumentação assim sintetizada: a) é ilegal, inconstitucional e abusiva a requisição, pelo Ministério Público, dos documentos relativos aos autos de prestação de contas do executivo municipal durante o prazo de acesso dos contribuintes nos termos do artigo 31, § 3º, da Constituição Federal; b) só detém legitimidade para ter acesso às contas o contribuinte do município, sujeito passivo tributário assim definido no artigo 156 da Constituição Federal; c) o mandamus não se voltou contra o acesso do MP às contas do chefe do Executivo Municipal mas, sim, a retirada do original da Sede Legislativa durante o prazo de sessenta dias, o que implica redução do direito subjetivo dos contribuintes. 2. O Ministério Público detém amplos poderes de investigação podendo, inclusive, requisitar informações de órgãos públicos na forma estabelecida pelos artigos 129, II e VI, da Constituição Federal e artigo 26, I, da Lei 8.625/98. In casu, inexiste direito líquido e certo do impetrante a ser amparado na via mandamental. 3. Recurso ordinário não-provido.”

2. No caso, a Câmara Municipal de Entre Rios/BA reclama que este "...Sodalício deu solução ao Recurso por razões diversas daquelas suscitadas no RMS" ficando omisso a respeito das questões relevantes levantadas pela recorrente ora embargante, ou seja, acerca de o Ministério Público ter tido acesso às contas antes de findo o prazo de sessenta dias.

3. Os embargos de declaração não podem ser manejados para que a parte, sob o pretexto de omissão, veja a tese que entende aplicável ao caso debatida e/ou prequestionado aquele dispositivo sob a ótica na qual pretende ver seu direito analisado. Diversamente do afirmado pela embargante, o decisório examinou todas as questões atinentes ao deslinde da controvérsia posta nos autos, o fato de não tê-lo feito à luz dos preceitos indicados pela parte não o vicia de nulidade.

4. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl no RMS 21.419/BA, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28.11.2006, DJ 14.12.2006 p. 247)


RMS 8967/SP:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO POPULAR. ATO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PERSONALIDADE JURÍDICA. CAPACIDADE PROCESSUAL EM JUÍZO. DEFESA DE INTERESSES INSTITUCIONAIS PRÓPRIOS E VINCULADOS À SUA INDEPENDÊNCIA E FUNCIONAMENTO. ATUAÇÃO COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL. PRECEDENTES.

1. Mandado de segurança impetrado pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo contra v. Acórdão da Egrégia Décima Quinta Câmara Civil do Tribunal de Justiça daquele Estado, no qual se deu provimento a agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público em Ação Popular, determinando-se a citação dos Senhores Deputados que aprovaram a Lei nº 8.198/92, por reconhecê-la parte ativa ilegítima (art. 6º do Código de Processo Civil), afigurando-se, pois, a impossibilidade jurídica do pedido, visto não ser o Grupo de Câmaras órgão revisor de acórdão de Câmara.

2. Litisconsórcio necessário para a citação dos responsáveis pelo ato impugnado, ou seja, os membros do Poder Legislativo, visto que, conforme preceitua José Afonso da Silva, "qualquer autoridade que houver participado do ato impugnado - autorizando-o, aprovando-o, ratificando-o ou praticando-o deverá ser citada para a demanda popular, que vise anulá-lo. Assim, desde as autoridades mais elevadas até as de menor gabarito estão sujeitas a figurarem como rés no processo de ação popular. Nem mesmo o Presidente da República, ou o Supremo Tribunal Federal, ou do Congresso Nacional, está imune de ser réu, neste processo" (Ação Popular Constitucional, p. 197).

3. Trata-se de relação jurídico-processual a ser formada com base nos princípios informadores do nosso orçamento jurídico, com conotação que se amplia no contexto das prerrogativas garantidas ao Poder Legislativo.

4. O chamamento dos Deputados Estaduais para figurarem no pólo passivo da demanda, como litisconsortes necessários, se confunde com a proteção que a Constituição Federal outorga ao Parlamentar de exercer livremente o exercício do Poder, assegurando aos seus membros a inviolabilidade e a imunidade para os seus pronunciamentos e votos. Os referidos institutos (inviolabilidade e imunidade) não são, exclusivamente, de natureza pessoal e só de direito subjetivo do parlamentar, por protegerem, também, o Poder Legislativo.

5. A inviolabilidade do voto consubstanciada no art. 53 da CF, ao contrário do entendimento adotado pela C. 15ª Câmara Civil do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, não se limita à esfera penal, aos crimes de opinião, alcançando, também, o âmbito civil, em sentido amplo, mesmo porque o voto proferido em Plenário dificilmente produzira alguma repercussão no âmbito penal, a ponto de configurar eventual crime.

6. Ao impetrar o "mandamus" em face da decisão da 15ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo - que, na realidade, é o próprio Poder Legislativo - agiu em nome próprio, nos termos do art. 9º da Constituição Estadual, posto que o ato judicial combatido não afeta tão-somente os direitos dos Srs. Deputados Estaduais, individualmente considerados, mas uma prerrogativa institucional assegurada constitucionalmente ao Poder Legislativo e de fundamental importância para o efetivo exercício de sua atividade-fim. Ressalte-se que o ato impugnado configura, em última análise, inconstitucional ingerência do Poder Judiciário no Poder Legislativo, pois afronta o princípio da independência dos três Poderes.

7. Na situação examinada não se trata de se enquadrar o fenômeno processual em debate no círculo da substituição processual ou da legitimidade extraordinária. O que há de se investigar é se a Assembléia Legislativa está a defender interesses institucionais próprios e vinculados ao exercício de sua independência e funcionamento, como de fato, "in casu", está. A ciência processual, em face dos fenômenos contemporâneos que a cercam, tem evoluído a fim de considerar como legitimados para estar em juízo, portanto, com capacidade de ser parte, entes sem personalidade jurídica, quer dizer, possuidores, apenas, de personalidade judiciária.

8. No rol de tais entidades estão, além do condomínio de apartamentos, da massa falida, do espólio, da herança jacente ou vacante e das sociedades sem personalidade própria e legal, todos por disposição de lei, hão de ser incluídos a massa insolvente, o grupo, classe ou categoria de pessoas titulares de direitos coletivos, o PROCON ou órgão oficial do consumidor, o consórcio de automóveis, as Câmaras Municipais, as Assembléias Legislativas, a Câmara dos Deputados, o Poder Judiciário, quando defenderem, exclusivamente, os direitos relativos ao seu funcionamento e prerrogativas.

9. Precedentes jurisprudenciais.

10. Recurso provido, reconhecendo a recorrente como parte legítima para impetrar o mandado de segurança em exame, pelo que o egrégio Tribunal "a quo" deve prosseguir com o julgamento do mérito da pretensão argüida.

(RMS 8967/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19.11.1998, DJ 22.03.1999 p. 54)